E, todavia, pesa-me como uma pata de violência a realidade da pessoa que somos. Há muita coisa a arrumar, a harmonizar, muita coisa ainda a morrer.
Mas por enquanto está viva.
Por enquanto sinto a evidência de que sou eu que me habito, de que vivo, de que sou uma entidade, uma presença total, uma necessidade do que existe, porque só há eu a existir, porque eu estou aqui, arre!, estou aqui, EU, este vulcão sem começo nem fim, só actividade, só estar sendo, EU, esta obscura e incandescente e fascinante e terrível presença que está atrás de tudo o que digo e faço e vejo – e onde se perde e esquece.
EU!
Ora este “eu” é para morrer. Morre como a intimidade de uma casa derrubada. Sei-o com a certeza do meu equilíbrio interior. Mas como é possível? Agora eu sou essa intimidade, agora eu sou o seu espírito, a sua evidência.
Aparição (1959), Vergílio Ferreira, Bertrand Editora, 20ª edição
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