19 de Maio de 2011

Dispersão

Perdi-me dentro de mim 
Porque eu era labirinto 
E hoje, quando me sinto. 
É com saudades de mim. 

Passei pela minha vida 
Um astro doido a sonhar, 
Na ânsia de ultrapassar, 
Nem dei pela minha vida... 

Para mim é sempre ontem, 
Não tenho amanhã nem hoje: 
O tempo que aos outros foge 
Cai sobre mim feito ontem. 

...

 

Mário de Sá-Carneiro

 

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(O Domingo de Paris 
Lembra-me o desaparecido 
Que sentia comovido 
Os Domingos de Paris: 

Porque um domingo é família, 
É bem-estar, é singeleza, 
E os que olham a beleza 
Não têm bem-estar nem família). 

Pobre moço das ânsias... 
Tu, sim, tu eras alguém! 
E foi por isso também 
Que me abismastes nas ânsias. 

A grande ave doirada 
Bateu asas para os céus 
Mas fechou-se saciada 
Ao ver que ganhava os céus. 

Como se chora um amante, 
Assim me choro a mim mesmo: 
Eu fui amante inconstante 
Que se traiu a si mesmo. 

Não sinto o espaço que encerro 
Nem as linhas que protejo: 
Se me olho a um espelho, erro 
Não me acho no que projeto. 

Regresso dentro de mim 
Mas nada me fala, nada! 
Tenho a alma amortalhada, 
Sequinha dentro de mim. 

Não perdi a minha alma, 
Fiquei com ela, perdida. 
Assim eu choro, da vida, 
Eu nunca vi... mas recordo 

A sua boca doirada 
E o seu corpo esmaecido, 
Em um hálito perdido 
Que vem na tarde doirada. 

(As minhas grandes saudades 
São do que nunca enlacei. 
Ai, como eu tenho saudades 
Dos sonhos que sonhei!... ) 

E sinto que a minha morte — 
Minha dispersão total — 
Existe lá longe, ao norte, 
Numa grande capital. 

Vejo o meu último dia 
Pintado em rolos de fumo, 
E todo azul-de-agonia 
Em sombra e além me sumo. 

Ternura feita saudade, 
Eu beijo as minhas mãos brancas... 
Sou amor e piedade 
Em face dessas mãos brancas. . . 

Tristes mãos longas e lindas 
Que eram feitas pra se dar 
Ninguém mas quis apertar 
Tristes mãos longas e lindas 

Eu tenho pena de mim, 
Pobre menino ideal... 
Que me faltou afinal? 
Um elo? Um rastro?... Ai de mim! 

Desceu-me nalma o crepúsculo; 
Eu fui alguém que passou. 
Serei, mas já não me sou; 
Não vivo, durmo o crepúsculo. 

Álcool dum sono outonal 
Me penetrou vagamente 
A difundir-me dormente 
Em, uma bruma outonal. 

Perdi a morte e a vida, 
E, louco, não enlouqueço... 
A hora foge vivida 
Eu sigo-a, mas permaneço ... 

............................................... 
Castelos desmantelados, 
Leões alados sem juba... 

 

publicado por psicopersonalidades às 21:29

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